Malgrado tenha a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, alterado substancialmente o artigo 114 da Constituição Federal, ampliando a competência da Justiça do Trabalho para tratar de ações oriundas da relação de trabalho, e não apenas da relação de emprego, dúvidas surgiram no tocante à competência desta justiça especializada na solução dos conflitos envolvendo representação comercial.
Sabe-se que a relação de emprego é aquela que preenche os requisitos caracterizadores instituídos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – e, por ser mais abrangente, na medida em que traz para o seu âmbito todo e qualquer esforço laboral envolvendo a atividade humana, incluiu o representante comercial autônomo por entender que este também desenvolve uma relação de trabalho, atraindo a competência da Justiça do Trabalho nas ações envolvendo esta atividade profissional.
À mingua de uma melhor interpretação dessas alterações, bem como do seu alcance e reflexos no ordenamento jurídico, demandas de toda ordem foram propostas perante a Justiça Especializada, mesmo nos casos em que a relação jurídica deu-se envolvendo tão somente pessoas jurídicas, ou seja, nos casos em que o representante comercial está constituído de personalidade jurídica, o que, a princípio, excluiria do âmbito da justiça especializada tais relações.
Nesse contexto, no rastro das sistemáticas tentativas de dissimulação da relação empregatícia através da constituição de pequenas empresas em nome dos empregados, conhecida no meio jurídico como pejotização, ações judiciais propostas por empresas de representação comercial foram acolhidas em primeira e segunda instâncias na Justiça do Trabalho (ex. TST – RR-1423-08.2010.5.15.0129), todas reconhecendo a relação de emprego.
Este tema, deveras, há muito tem ensejado dúvidas e originado conflitos de competência entre a justiça comum e a trabalhista, sendo discutido no âmbito do RE 606.003/20201, no qual, em seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso manifestou sua posição ao entender que a representação comercial é contrato típico de natureza comercial, regido pela Lei nº 4.886/65, cujo artigo 1º dispõe expressamente que “exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego”. Para ele, também não existiria uma relação de trabalho entre as partes contratantes, na medida em que a jurisprudência do STF consolidou entendimento de que nem toda relação entre o tomador de um serviço e o seu prestador caracteriza relação de trabalho.
Nessa oportunidade, foi sugerida pelo Ministro Barroso tese de repercussão geral, posteriormente fixada sob nº 550, nos seguintes termos: “Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e
1 ACÓRDÃO: Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual na conformidade da ata de julgamento, por maioria de votos, apreciando o tema 550 da repercussão geral, em dar provimento ao recurso extraordinário, para assentar a competência da Justiça Comum, em razão de sua competência material para processar e julgar a causa, devendo o feito ser a ela remetido, nos termos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber. Foi fixada a seguinte tese: “Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Brasília, 18 a 25 de setembro de 2020. MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – RELATOR